Print-Thru

O acabamento superficial do casco é um aspecto fundamental da construção náutica e um dos fenômenos que mais ameaça essa característica é o print-thru, que é que a impressão visível das fibras de reforço ou material de núcleo no gelcoat.

Qualquer construtor de embarcações vai destacar que o reparo desse tipo de defeito exige uma grande alocação de recursos. O trabalho é manual, demorado e pode não apresentar o resultado desejado. É interessante, então, conhecer as causas e formas de prevenção para evitar que esse tempo de produção seja dedicado à atividades de retrabalho.

A principal causa do fenômeno é a diferença entre os coeficientes de expansão térmica da resina e da fibra. Qualquer material sofre alterações em suas dimensões em função da variação de temperatura e, em geral, quanto maior a temperatura, maiores são suas dimensões. Porém, a taxa de deformação da resina quando acometida pelo calor da reação exotérmica de cura é muito maior do que a deformação da fibra. Quando a temperatura volta a cair, a resina se contrai e cria uma tensão residual que é aliviada ao longo de vários meses e até mesmo anos.

Durante esse período de alívio da tensão residual, a impressão das fibras pode se tornar visível e prejudicar o acabamento da superfície meses após a construção da estrutura. É por esse motivo que o reparo logo após o desmolde da peça pode não resolver o problema completamente, já que ele pode reaparecer muito tempo após a conclusão da fabricação do barco. É muito mais efetivo atacar as causas e utilizar mecanismos para suavizar o fenômeno.

A resina poliéster é a mais popular na construção náutica por conta de seu excelente custo benefício, mas ela apresenta alta contração após a cura, ou seja, cria tensões residuais que acabam deixando a peça suscetível ao print-thru. Além disso, a quantidade de ésteres presentes em sua molécula faz com que seja muito suscetível à hidrólise, o que diminui sua resistência química. A utilização de outras resinas com menor contração e maior capacidade de proteger as primeiras camadas de reforço é bastante indiciada e as resinas estervinílicas são normalmente escolhidas para exercer esse papel.

Obviamente, a resina epoxy se sairá melhor em todos esses aspectos, mas seu custo e, muitas vezes, a necessidade de realizar pós-cura, acaba afastando os construtores náuticos que utilizam reforços de fibra de vidro. A resina estervinílica se oferece como uma opção de melhor custo benefício nesse aspecto.

Apesar de ajudar, a troca de resina não resolve o problema porque a contração pode ser amenizada, mas está presente qualquer que seja o material. Esse fator combinado com o uso de pressão nos métodos de vacuum bag e infusão a vácuo faz com que sejam necessários outros mecanismos para amenizar essa questão, começando com a laminação do skin coat, normalmente composto de duas camadas de manta de 300 g/m² seguidas por mais duas de 450 g/m². O peso adicional de um laminado que não contribui estruturalmente para a estrutura é o preço a se pagar para obtenção de um acabamento primoroso.

As fibras não são os únicos elementos a serem impressos na superfície do gelcoat, que também pode ser marcado pelos groovings dos materiais de núcleo. Se o skin coat não for o suficiente para impedir isso, é necessário recorrer ao uso de núcleos de poliéster como o Soric TF, desenvolvido para ser um print blocker. Outra alternativa para o construtor pode ser alterar a espessura e profundidade dos groovings utilizados e até mesmo alterar a configuração utilizada.

O print-thru é um fenômeno que não causa prejuízos estruturais, mas definitivamente é uma dor de cabeça para o processo de construção náutica, causando centenas de horas de retrabalho em uma linha de produção em série. Apenas o conhecimento e a prática farão com que construtores consigam evitar ou amenizar esse tipo de problema.

Materiais Consumíveis – Parte 2

O post da última semana descreveu os materiais consumíveis necessários para a laminação utilizando o processo de vacum bag. O processo de infusão a vácuo, apesar de com partilhar a maior parte dos materiais com o processo anterior, possui algumas diferenças.

As semelhanças, no entanto, estão no uso da tacky tape, bolsa de vácuo e peel ply. Os materiais utilizados são os mesmos e são selecionados da mesma maneira, sempre em função da temperatura de pico da cura exotérmica da resina.

As diferenças começam com o breather, que normalmente não é utilizado pois na infusão o gradiente de pressão tem o papel de inserir a resina no laminado, portanto não há excesso de resina a ser absorvido. Esse consumível aparece somente em infusões realizadas com duas bolsas, com o objetivo de distribuir a vazão de ar uniformemente por toda a superfície do molde.

O release film, ou filme perfurado, é utilizado apenas em dois casos. O primeiro é a infusão de laminados sólidos e o segundo é nas regiões onde são montadas as linhas de resina. Na laminação por vacum bag, o filme perfurado era responsável por ajudar na desmoldagem dos demais consumíveis e por controlar a resina que sairia do laminado.

Na infusão, o filme perfurado ainda é um elemento facilitador da desmoldagem d os demais consumíveis, mas também é responsável por controlar a quantidade de resina que entra no laminado e, por essa razão, sua área aberta costuma ser maior e variar entre 1,0 e 1,5%.

Outro consumível utilizado na infusão é o flow media, chamado também de tela de infusão, que possui alta permeabilidade e distribui rapidamente a resina pela superfície do laminado. Isso facilita muito a impregnação de locais com baixa permeabilidade e torna possível a infusão de laminados sólidos.

As linhas de entrada de resina são elementos essenciais para a realização de uma infusão de sucesso. A montagem dessa estrutura ocorre logo acima do peel ply e se inicia com o posicionamento de uma faixa de filme perfurado ao longo de todo o seu comprimento.

Acima do filme perfurado é aconselhável que se coloque uma faixa de flow media para que a resina se disperse facilmente ao longo de toda linha. Já a linha de resina em si é construída com um spiraduto envolvido em peel ply. O peel ply protegerá a bolsa de vácuo do contato com partes pontiagudas do spiraduto, evitando perfurações e vazamentos.

No centro da linha de resina, ou onde o plano de infusão determinar, deve ser posicionada uma conexão T que estará conectado à mangueira cristal que fará o transporte da resina. Essa mangueira deve ser preparada para ser submetida a pressão negativa, de modo que não colapse no momento em que a bomba de vácuo seja ligada. A fim de evitar vazamentos, a conexão da mangueira com o T deve ser isolada com tacky tape.

A saída de vácuo é construída de forma similar com spiraduto envolto em peel ply e uma conexão T ligada a uma mangueira cristal que é conectada à bomba de vácuo. Em geral, as linhas de vácuo são posicionadas em cima de um freio, ou uma área de baixa permeabilidade que serve para desacelerar o fluxo de resina e que normalmente será retirado da peça final. O freio evita que a resina entre na saída de vácuo e diminua a pressão aplicada à peça.  Para facilitar a desmoldagem da linha, é comum que uma faixa de release film seja posicionada abaixo da linha de vácuo, apesar de não ser absolutamente essencial. Outro elemento importante para a infusão são os registros, que controlam o fluxo de resina e de ar dentro da peça e devem estar conectados às mangueiras.

O construtor deve ter em mente que o custo dos consumíveis representa apenas uma pequena fração do valor total dedicado a construção em composites e que a integridade da peça final depende da confiabilidade desses materiais durante o processo de infusão, então sua seleção deve ser feita de maneira criteriosa pensando nas temperaturas e esforços que eles irão suportar. Mais detalhes sobre o uso correto desses materiais podem ser vistos no vídeo sobre o Teste de Permeabilidade.

Materiais Consumíveis – Parte 1

O uso de vácuo para compactação de laminados aumenta o teor de fibras e diminui os vazios presentes nas estruturas, melhorando sua confiabilidade e propriedades mecânicas. Por essa razão, muitos estaleiros costumam adotar os métodos de laminação por vacum bagging ou infusão a vácuo.

Para construir embarcações utilizando esses métodos, é preciso mais do que apenas as fibras e resina. Para que aplicar pressão negativa no laminado é necessário utilizar uma classe de materiais chamada de consumíveis, que são utilizados durante o processo de compactação e descartados após a laminação.

Apesar de compartilharem muitos desses materiais, existem algumas diferenças entre o conjunto de consumíveis necessários para os processos de vacuum bag e de infusão a vácuo. O post dessa semana é dedicado a explorar os materiais necessários para o primeiro processo e, na próxima semana, serão caracterizados os materiais necessários para infusão a vácuo.

A primeira característica que o construtor deve ter em mente ao selecionar os materiais consumíveis é a temperatura que eles devem suportar, que depende da temperatura de pico que a resina alcança durante a cura exotérmica. Existes conjuntos de consumíveis que suportam temperaturas entre 100 e 200°C além daqueles desenvolvidos para pós-cura, que podem alcançar até 250°C. Em geral, os construtores de embarcações podem utilizar produtos que operam na faixa entre 120 e 180°C.

Ao preparar a laminação, o primeiro material que deve ser posicionado no molde é a tacky tape, uma fita adesiva emborrachada dupla face com 3 mm de espessura e 12 mm de largura. Sua função é fixar a bolsa de vácuo no perímetro molde sem permitir vazamentos, possibilitando a aplicação da pressão de vácuo sobre o laminado. A fita deve ser aplicada sobre uma superfície limpa e livre de desmoldante, além de ficar bem protegida durante todo o restante da montagem e laminação.

Depois da laminação das camadas de tecido de fibra, o próximo consumível a ser posicionado é o peel ply, um tecido desmoldante de fibras de poliamida ou poliéster. Suas principais funções são permitir a desmoldagem dos demais materiais consumíveis após a laminação e garantir que a face do que não está em contato com o molde tenha um acabamento superficial satisfatório.

A maior parte dos tecidos peel ply possuem tracers vermelhos e pretos que contrastam com o laminado e ficam visíveis mesmo após a impregnação dos reforços, quando a parte branca do material se torna transparente.

Depois do peel ply, o constructor deve posicionar o filme perfurado, chamado também de release film, já que ele também facilita a desmoldagem do restante dos materiais consumíveis. Sua principal função no processo de vacuum bag é controlar a quantidade de resina que é retirada do laminado e absorvida pelo breather.

A área aberta é uma variável importante nesse tipo de material e deve ser definida a partir da quantidade de resina que o construtor deseja retirar do laminado, da viscosidade dessa resina e da intensidade do gradiente de pressão utilizado. Em geral, filmes perfurados com áreas abertas até 0,3% são utilizados para laminações por vacuum bag.

O breather, por sua vez, é uma material absorvente feito a partir de fibras de poliéster não tramadas. Ele é responsável por distribuir o vácuo por toda a superfície da peça e por absorver a resina que passa pelo filme perfurado. A homogeneidade desse material é de extrema importância porque variações em sua espessura significam uma variação na quantidade de resina retirada do laminado. Isso faz com que o teor de fibra seja diferente dependendo da região do estrutura, o que é indesejável.

Entre o filme perfurado e o breather é interessante que seja posicionado um spiraduto de ½” ou ¾” que seja capaz de ajudar na distribuição da sucção causada pela bomba de vácuo. Ele deve estar ligado a uma conexão T que estará conectada a uma mangueira cristal e a um trap, onde a resina que deixar o laminado ficará armazenada. Todo esse conjunto de consumíveis deve estar preparado para suportar pressões negativas e não deve colapsar quando o vácuo for aplicado.

Por fim, acima de toda essa sequência de materiais, deve ser posicionada a bolsa de vácuo que é um filme de nylon com capacidade de elongação de 300% antes de se romper, além de uma resistência à tração de 55 MPa. Ele é fixado nas bordas do molde por meio da tacky tape de forma que não ocorra nenhum vazamento de ar, fenômeno que é monitorado assim como o explicado no post sobre Integridade do Molde.

O custo extra que o construtor tem para adquirir esses materiais é mais do que compensado pelo ganho de qualidade no laminado e economia de tempo de produção. Na próxima semana o post do blog abordará as particularidades dos consumíveis utilizados para realização da infusão a vácuo e mostrará como se montam as saídas de vácuo e entradas de resina.

Tipos de Fibra de Carbono

A construção das estruturas de materiais compostos como se conhece hoje só foi possível com o desenvolvimento das fibras de vidro em meados de 1940. As fibras de carbono apresentam uma revolução igualmente significativa para os composites estruturais, sendo um reforço mais forte, mais leve e mais durável que qualquer outro material disponível no mercado atualmente.

Desde a década de 1970, a indústria é capaz de produzir fibras de carbono a base de polímero de poliacrilonitrila (PAN) em grandes volumes, mantendo o desempenho, qualidade e consistência necessárias no processamento de materiais desenvolvidos para indústria aeronáutica, para onde elas foram originalmente desenvolvidas.

Na indústria náutica sua aplicação é destinada à peças que necessitam de uma eficiência estrutural muito alta ou que precisem ter baixo peso para que o centro de gravidade da embarcação não fique muito alto e prejudique a estabilidade da navegação. Ou seja, não são apenas os barcos de regata que fazem uso desse tipo de reforço, mas muitos estaleiros acabam utilizando fibras de carbono para construção de casarias e principalmente de hard tops.

Assim como existem diferentes variedades de fibra de vidro, existem diferentes variedades de fibras de carbono. A diferença entre elas se concentra principalmente na combinação entre resistência à tração e módulo de elasticidade, como indicado no Gráfico 1.

Gráfico 1. Classificação das fibras de carbono

As fibras de carbono de módulo padrão, conhecidas no mercado como fibras de Standard Modulus, possuem módulos de elasticidade até 230 GPa ou um pouco superior. São as fibras de carbono com melhor custo-benefício considerando tanto a resistência à tração quanto a rigidez do material, com fios construídos com 1k a 24k filamentos.

As fibras de módulo intermediário, ou Intermediate Modulus, possuem módulos de elasticidade que variam entre aproximadamente 290 e 330 GPa. Existe uma grande variedade dessa classe de fibras de carbono, que também são conhecidas como High Strength porque apresentam a melhor resistência à tração. A diferença entre os conceitos de resistência e módulo de elasticidade já foi abordada em vários tópicos e detalhes no blog. 

As aplicações das fibras de módulo intermediário são bastante amplas, incluindo as áreas aeroespacial, industrial, entre outras. Por sua ampla gama de opções, elas apresentam diversos preços e propriedades para atender as diferentes demandas desses mercados. Os fios dessa classe de fibras de carbono são construídos com uma quantidade de filamentos que varia ente 6k e 36k.

Por fim, as fibras de carbono de alto módulo, também chamadas de High Modulus, podem alcançar módulos de elasticidade de até 640 GPa. São normalmente utilizadas em aplicações onde a expansão térmica é um fator crítico, já que seu coeficiente de expansão é muito baixo. Isso inclui estruturas aeroespaciais e até mesmo artigos esportivos de altíssimo desempenho. Os fios das fibras de carbono de alto módulo são compostos por uma quantidade de filamentos que varia entre 3k e 12k.

Ao selecionar o melhor tipo de fibra de carbono para o seu projeto, o construtor deve também verificar qual o tratamento superficial a fibra recebeu, já que isso definirá qual o sistema de resina será compatível com os filamentos. Em geral esse tipo de reforço é compatível com sistemas de resina epoxy e, mais raramente, com resinas estervinílicas e poliéster.

As subclassificações dentro dos tipos de fibra de reforço são mais algumas das inúmeras variáveis que o construtor deve estar atento no momento de selecionar os melhores materiais para seu barco.