Força Cortante e Momento Fletor

O post da última semana definiu as tensões axiais e de cisalhamento, além de descrever que a combinação delas forma esforços de flexão em uma estrutura. Essas tensões são a resposta de um corpo rígido a uma carga aplicada durante sua operação e elas definem qual a resistência que o material utilizado para construção de uma estrutura deve ter.

Para calcular a intensidade dessas tensões é necessário antes entender os conceitos teóricos de força cortante e momento fletor. Para isso, considere o exemplo da viga apoiada em dois apoios verticais rígidos de forma que suas extremidades possam rotacionar. Imagine também que existe uma força de intensidade P sendo aplicada no meio do comprimento do seu vão livre, como indicado na Figura 1.

Figura 1. Viga sandwich sendo submetida à uma carga pontual

Para que essa viga esteja em equilíbrio, a soma das forças que atuam nos apoios deve ser igual a força P que está sendo aplicada. Então, cada apoio exerce na viga uma força de intensidade P/2 que aponta para cima, como apresentado na Figura 2.

Figura 2. Forças de reação

Como resposta à essas forças aplicadas a viga, existe uma série de forças internas e momentos que estão atuando em seu interior e criando tensões, como indicado na Figura 3 que apresenta uma seção de comprimento a.

Figura 3. Força cortante e momento fletor

Como a viga está em equilíbrio estático, a soma das forças que atuam no corpo deve ser igual a zero. Então atuando na seção A-A da viga existe uma força cortante Q de intensidade igual a P/2 e sentido oposto. Como a força de reação que atua no apoio ilustrado na Figura 3 também tende a rotacionar o corpo, a seção A-A ainda conta com um momento fletor de intensidade igual a P.a/2 que resiste à essa rotação.

A distribuição da força cortante ao longo do comprimento da viga é apresentada no Gráfico 1. Como a força aplicada na estrutura é pontual, a força cortante que atua nas seções é constante e só muda sua orientação após o ponto de aplicação da força.

Gráfico 1. Distribuição da força cortante Q(x)

No caso de uma estrutura sandwich constituída de duas faces de fibra e um material de núcleo de baixa densidade, a intensidade da força cortante está diretamente relacionada com o módulo de cisalhamento que atua no material de núcleo, enquanto as tensões normais dependem da intensidade do momento fletor e atuam nas faces de fibra. 

No caso ilustrado na Figura 1, a intensidade do momento fletor se distribui de acordo com o ilustrado no Gráfico 2, alcançando um valor máximo no meio da viga, ponto onde a força é aplicada.

Gráfico 2. Distribuição do momento fletor M(x)

Esse exemplo permite ilustrar os conceitos de força cortante e momento fletor e quais os fatores que possuem mais influência nesses esforços internos que posteriormente ajudarão a determinar as tensões.  É possível destacar que o tipo de apoio, a largura L do vão livre e a intensidade e tipo de distribuição da força que atua na viga influenciam o comportamento da força cortante e do momento fletor.

Agora transferindo esses conceitos para embarcações que navegam em um regime hidrodinâmico, a força aplicada à estrutura é proveniente da atuação de pressões no fundo do casco. Essas pressões dependem do estado de mar em que se está navegando além da velocidade da embarcação. Em um processo de análise estrutural, o projetista deve encontrar a distribuição de forças equivalente que causa a mesma deflexão que essas pressões causam na realidade ou algo próximo disso. 

A largura L do vão livre está relacionada com o vão livre entre longarinas, transversais e anteparas, que são características do arranjo estrutural da embarcação que podem ser controladas pelo projetista. Elas são ajustadas para que a embarcação possa suportar as pressões que a navegação espera encontrar durante seu uso.

Todas essas características afetarão a intensidade das tensões normais e de cisalhamento que a estrutura deverá suportar. O post da próxima semana indicará equações matemáticas simplificadas para estimar esses esforços em estruturas sandwich.

Tensões Normais e de Cisalhamento

O regime de navegação hidrodinâmico aplica pressões no fundo das embarcações que exercem um conjunto complexo de forças nas estruturas, que podem ser construídas em sandwich. Embora seja papel do projetista selecionar os materiais e as dimensões ideais para suportar esses esforços, é importante que o construtor conheça os principais conceitos sobre esse tema

Por essa razão, os próximos posts do blog vão definir os conceitos de tensões normais e de cisalhamento, como acontecem os carregamentos que as causam e mostrar um método matemático simplificado que fornece uma estimativa da magnitude desses esforços.

Antes disso, é importante definir o conceito de tensão que representa a resposta física que um corpo apresenta quando é submetido a uma força.  Medidas em N/m², as tensões podem se classificar como normais ou de cisalhamento.

Figura 1. Ensaio de Tração

Uma tensão normal surge quando uma carga é aplicada no eixo axial de um corpo, causando esforços de tração quando essa força o “estica” e compressão quando o contrário acontece.  Em uma estrutura sandwich, a maior parcela desses tipos de tensão é suportada pelas faces de laminado sólido.

Figura 2. Ensaio de Compressão

Já os núcleos dos materiais sandwich suportam principalmente as tensões de cisalhamento, que surgem em um corpo quando ele é submetido à um par de forças que agem em lados opostos com a mesma magnitude, mas direções opostas.  

Figura 3. Ensaio de cisalhamento

Dada a natureza da operação de embarcações, suas estruturas normalmente não estão submetidas a pura e simplesmente tração ou compressão ou cisalhamento. A realidade é que as cargas aplicadas pelo regime de navegação hidrodinâmica criam um regime de flexão, ou seja, uma das faces está submetida à tração, enquanto a outra está submetida à compressão e o núcleo sofre com tensões de cisalhamento.

Figura 4. Ensaio de flexão

O post da próxima semana vai ilustrar como as cargas de navegação criam as forças cortantes e momentos fletores que, por sua vez, criam as tensões que atuam nas estruturas sandwich.

O Fenômeno da Hidrólise

Quando se fala sobre resinas poliéster, é muito comum destacar sua resistência química é muito baixa e a torna passível de degradação a partir da hidrólise. Mas o que é hidrólise exatamente e porque as resinas estervinílicas e epoxy não são tão suscetíveis a esse fenômeno.

O post da última semana informou que a formulação das resinas poliéster é feita a partir da reação de um ácido e um álcool que formam ésteres e eliminam água, formando uma pasta que é posteriormente misturada com monômero de estireno que diminui significativamente a viscosidade.

Essa reação possui um equilíbrio dinâmico, o que significa que pode ser revertida. Então, assim como muitos outros elementos na natureza, as moléculas de ésteres são propensas a retornar para o seu estado original e se separar para formar moléculas de álcool e ácido. Essa reação reversa de separação é chamada de hidrólise e um paralelo pode ser traçado com a oxidação dos metais.

Como seu nome sugere, as resinas poliéster são formadas por um conjunto de ésteres que se repetem ao longo de toda a cadeia polimérica e cada uma dessas moléculas é passível de sofrer hidrólise e perder a integridade estrutural quando está em contato com água.

Essa perda de integridade permite que a água permeie o laminado e enfraqueça a ligação da resina com as fibras, causando a delaminação dos dois elementos. É possível também que a adesão entre as faces de laminado e o núcleo de um painel sandwich fique prejudicada ou, pior ainda, o núcleo pode se deteriorar com a água se for de qualquer espécie de madeira ou até de espumas de células abertas. 

As resinas poliéster apresentam a menor resistência química entre as termofixas mais utilizadas porque estão sujeitas ao fenômeno de hidrólise ao longo de toda a sua cadeia. As estervinílicas apresentam as moléculas de éster apenas nas pontas das suas cadeias, o que diminui os pontos de ataques e aumenta sua resistência química. As epoxy são ainda mais resistentes porque sua composição química não conta com moléculas de ésteres.

Apesar de os ésteres ao longo das cadeias das resinas poliéster tornarem sua resistência química um problema quando se trabalha com núcleos de madeira ou espumas de célula aberta, isso não impede seu uso na construção náutica, sobretudo quando se utiliza núcleos de espuma PVC. Em estruturas em contato direto com a água, um recurso muito utilizado é o skin coat laminado com resinas estervinílicas.

Tipos de Resinas Poliéster

É muito comum que posts no blog destaquem que a combinação de resinas poliéster e espumas de PVC são a opção de melhor custo benefício para construção náutica. As células fechadas desse tipo de núcleo contornam o ponto negativo de que as resinas poliéster possuem baixa resistência química e o conjunto entrega excelentes propriedades mecânicas para embarcações que navegam em regime de planeio. Sendo a resina poliéster um elemento tão importante da construção náutica, é necessário explicar como ela é formulada e quais são os principais tipos a disposição do construtor.

As resinas poliéster são formadas a partir de um processo chamado de esterificação, que é a reação química entre um ácido e um álcool que resulta na formação de um éster e uma molécula de água. O resultado dessa reação é uma pasta viscosa que é misturada com um solvente chamado estireno, que torna a resina um líquido e acaba tomando parte na molécula final da matriz polimérica após a cura.

Figura 1. Processo de cura da resina poliéster

 

O monômero de estireno é um tipo de molécula que possui uma estrutura química chamada benzeno, ou anel aromático. Como indicado na Figura 1, a junção do poliéster insaturado com o monômero pela ação de um catalisador forma o poliéster curado. A posição das cadeias de poliéster em relação ao anel aromático dá origem à diversos tipos de resina poliéster, dentro os quais vale destacar as resinas ortoftálicas e isotftálicas.

As ortoftálicas são muito utilizadas para laminação, mas suas propriedades mecânicas e químicas são bastante pobres porque é muito difícil obter polímeros de alto peso molecular já que suas cadeias são bastante curtas. Na prática, isso significa que esse tipo de resina possui um preço baixo, mas vai permitir que a água ataque suas moléculas e permeie o laminado, causando a delaminação ou separação física da resina com a fibra ou com o material de núcleo.

Figura 2. Resina poliéster ortoftálica

 

Uma solução com melhores propriedades são as resinas poliéster isoftálicas. Suas móleculas, apresentadas na Figura 3, são mais longas e permitem uma absorção melhor dos impactos e, consequentemente, melhores propriedades mecânicas. Em adição a isso, elas apresentam maior resistência térmica, o que significa um aumento de Tg e diminuição de fenômenos como o print-thru.

Figura 3. Resina poliéster isoftálca

 

Como a diferença do custo dessas duas opções não é muito discrepante e as propriedades são significativamente melhores, as resinas poliéster isoftálicas são muito utilizados para construção náutica. Em combinação com Neo Pentil Glicol, sua resistência química é inclusive boa o suficiente para formulação de gelcoats.

A definição de resistência química em uma resina termofixa, assim como do fenômeno de hidrólise, será feita no post da próxima semana. Para saber mais sobre os diferentes tipos de resina poliéster, é possível consultar o livro Manual de Construção de Barcos.

Tipos de Tecidos Bidirecionais

Os tecidos bidireicionais conseguem preservar o alinhamento e orientação de seus filamentos de maneira muito mais eficiente do que laminados construídos com manta ou com fios picados, apesar de apresentarem propriedades mecânicas inferiores quando comparados com os tecidos multiaxiais.

Embora os tecidos biaxiais tenham ganhado muita popularidade para a fabricação de barcos, os tecidos bidirecionais de alta gramatura (300-400 g/m²) ainda são muito utilizados para construção de barcos de alta performance como kayaks e barcos de competição a vela. Os tecidos de baixa gramatura (150-200 g/m²) são muito utilizados para trabalhos de acabamento superficial, sendo capazes de criar uma camada com maior teor de resina além de proporcionar uma excelente aparência estética para peças que mantém a trama aparente.

Sua construção conta com filamentos de fibra (de vidro, aramida e carbono) tramados nas direções 0° (urdume) e 90° (trama) e a maneira como são tramados influencia o comportamento do tecido durante a laminação e as propriedades mecânicas finais do laminado. A trama plana é a mais comum, com um cabo passando por cima do outro alternadamente como mostra o esquema da Figura 1. Uma variação que também aparece no esquema é a trama basket, que utiliza um par de fios (2×2) para tecer a trama plana.

Figura 1. (a) Trama Plana (b) Trama basket

Esses dois tipos de tecidos bidirecionais são balanceados e se forem bem fabricados, apresentarão uma porosidade baixa (poucos espaços vazios entre os filamentos), o que pode ser uma vantagem quando se deseja fabricar laminados com um teor de fibras mais alto, entretanto esse tipo de trama apresenta baixa conformabilidade, o que torna sua laminação difícil em moldes com geometrias complexas ou dupla curvatura.  

Quando enfrenta esse tipo de situação, o construtor pode recorrer às tramas Twill e Satin, que se acomodam bem em regiões com curvaturas proporcionando tambem um alto teor de fibras. A configuração mais comum de trama Satin, ou sarja, é quando cada cabo cruza de cinco a oito cabos perpendiculares à trama, criando um aspecto cosmético muito interessante para aplicações onde a trama fica aparente.

Figura 2. (a) Trama Satin (b) Trama Twill

Já a trama Twill é identificada facilmente pelo padrão diagonal que também é bastante utilizado em aplicações com trama aparente. O tipo mais simples é construído em 2×1, o que significa que a cada dois cabos da trama são atravessados por um cabo do urdume.  Quanto mais cabos forem utilizados na direção do urdume, mais diagonal será a inclinação.  

Figura 3. Trama Twill

Por fim, apesar dos tecidos bidirecionais não possuírem a mesma eficiência estrutural que tecidos multiaxiais, continuam sendo boas opções para diversas aplicações. A maneira que seus filamentos estão arranjados configuram sua trama, que tem influência direta em suas características de estabilidade, porosidade, teor de resina e conformabilidade. É possível encontrar mais informações sobre os tecidos bidirecionais no livro Métodos Avançados de Construção em Composites.