Defeitos no Gelcoat – Parte 2

Na última semana, o post do blog descreveu alguns dos principais defeitos recorrentes no gelcoat de embarcações e suas prováveis causas. Além deles, existe uma série de outros desafios que os construtores podem enfrentar.

A começar pela desmodagem prematura da peça, que pode ser causada pelo uso de uma quantidade muito grande de catalisador (MEKP) ou pela laminação do casco muito tempo após a cura completa do gelcoat no molde.

É muito comum também visulizar linhas de escorrimento de gelcoat nos cascos e conveses, principalmente no costado e em outras superfícies verticais. O equipamento de aplicação é um fator determinante, uma vez que isso pode  ser causado simplesmente pela deposição de uma grande quantidade de material. Outras causas podem ser a baixa dispersão do agente tixotrópico, muito solvente na formulação do gelcoat ou simplemente contaminação da cera desmoldante.

As bolhas que surgem após a desmoldagem ou ao longo do tempo podem ser causadas pelo uso de uma resina poliéster de má qualidade ou contaminação de óleo ou umidade na rede de ar comprimdo utilizada durante a aplicação do gelcoat. Além da proporção incorreta do catalisador é importante observar que a dipersão não homogênea do MEKP no volume inteiro de gelcoat pode causar também esse tipo de defeito.

Por fim, muitos construtores reclamam da falta de brilho do acabamento das embarcações e esse problema pode ser causa por um baixo grau de cura do gelcoat, mas também pode ser relacionada com a baixa qualidade ou mau estado de conservação do molde ou um sistema de preparação inadequado, o que inclui o uso de uma cera desmoldante de baixa qualidade.

Mais detalhes sobre a aplicação do gelcoat ou sobre os possíveis defeitos podem ser encontrados no livro Manual de Construção de Barcos.

Defeitos no Gelcoat – Parte 1

O gelcoat é a primeira camada do laminado e garante o acabamento primoroso do casco e outras estruturas náuticas. Diversos posts no blog já discutiram detalhes de sua formulação e aplicação, mas ainda existe uma longa lista de defeitos que podem ocorrer nessas etapas e durante a operação da embarcação.

O enrugamento é um exemplo disso e pode ser causado pela aplicação de uma camada muito fina de gelcoat, pela contaminação do material por solvente ou por uma cura insuficiente. A cura insuficiente pode ocorrer por adição insuficiente de catalisador (MEKP), que deve ficar entre 1% e 2%, ou pela mistura não homogênea do gelcoat com o MEKP.

A aplicação em temperaturas muito baixas também pode dificultar a cura e causar enrugamento ou até mesmo porosidade no gelcoat, que causa um aspecto de casca de laranja que prejudica muito a aparência do acabamento da embarcação. Outras causas para esse fenômeno podem incluir a deposição muito rápida do gelcoat ou o uso excessivo de catalisador, reforçando que é necessário utilizar uma quantidade equilibrada já que excessos causam tantos problemas quanto a falta de agente de cura.

O amarelamento do gelcoat ao longo do tempo é um problema sério enfrentado pelos construtores e não existe um remédio para isso a longo prazo. No entanto, quando ocorre precocemente as razões podem incluir novamente uma catalização incorreta e baixa dispersão de  MEKP ou contaminação do gel por monômero de estireno ou inclusive pela cera desmoldante. Outra possível causa é que a primeira camada do laminado recebeu muita resina, causando uma contaminação do gel.  

Fissuras e trincas também são eventos recorrentes e indesejáveis que podem ser causados principalmente por um espessura muito alta do gelcoat, ressaltando a importância do aplicador ter destreza o suficiente para alcançar a espessura de 0,6mm com uma variação de dois décimos de milímetros apenas. Uma baixa adesão entre o gelcoat e o laminado também pode causar essas falhas, então deve-se garantir a compatibilidade entre esse elemento e a resina utilizada na laminação.

Outras causas incluem um grande esforço de desmoldagem causado pelo uso de um desmoldante ineficiente ou aplicação malfeita e, por fim, uma formulação muito rígida de gelcoat. Essa última causa pode ser evitada com o uso de formulações comerciais que foram altamente otimizadas e desenvolvidas para essa aplicação.

É possível perceber nessa primeira parte da discussão dos defeitos no gelcoat que uma formulação equilibrada aliada com uma cura feita nas condições ideais e um aplicador com destreza são fundamentais para garantia da qualidade do acabamento de uma embarcação. O post da próxima semana vai cobrir mais alguns tipos de defeitos e suas causas e mais detalhes podem ser explorados no livro Processo de Infusão a Vácuo em Composites.

Print-Thru por Exposição Solar

O fenômeno do print-thru já foi abordado em posts anteriores do blog, assim como algumas de suas causas e consequências. Porém, é muito comum que o casco saia do molde com o acabamento perfeito e comece a apresentar esse tipo de defeito após meses ou até anos de exposição ao tempo e principalmente a temperatura externa.  Mesmo barcos laminados e retirados do molde podem apresentar marcas das fibras, material sandwich, colagens, anteparas marcadas na face externa do gelcoat do costado e do convés. Com o tempo, a tendência é essas marcas ficarem cada vez mais aparentes.

Por mais que seja apenas uma falha cosmética em um primeiro momento, ela pode causar bolhas, empenos, trincas e rompimento da camada externa de gelcoat, deixando o laminado suscetível à hidrólise, acarretando em consequências mais sérias ao longo da vida útil da embarcação.

Uma das razões para esse aparecimento tardio do print-thru no laminado é o aumento da temperatura superficial devido à exposição solar. Mesmo com temperaturas ambientes amenas próximas de 25°C, é possível que peças expostas ao sol alcancem temperaturas próximas de 60°C que são capazes de causar deformações nas matrizes poliméricas, sobretudo nas resinas poliéster curadas em temperatura ambiente.

Hoje em dia 95% dos barcos sao laminados com resina poliéster que tem uma temperatura de distorção térmica (HDT) baixa. Em geral resinas utilizadas na fabricação de barcos podem ter um HDT por volta de 50-55°C. Isto quer dizer que quando elas são expostas a uma temperatura superior a esta, a matriz de resina começa a se mover, especialmente quando a cura da resina no processo de laminação não foi feita corretamente. Isto desencadeia o processo de impressão das fibras e empenos no casco.

Figura 1. Temperatura superficial em função da temperatura ambiente e da cor

O Gráfico 1 mostra que a cor também é uma grande influência na temperatura superficial que o laminado pode alcançar. Cores mais escuras tendem a absorver mais calor e chegar a temperaturas mais altas e, por essa razão, o branco é preferido para os cascos das embarcações.

Pelo grafico para uma temperatura externa de 40°C a temepratura superficial de uma superficie branca ultrapassa 60°C enquanto para a cor preta ela pode superar 90°C. Estes valores sao muito superiores aos valores de HDT de resinas convencionais.

Alguns construtores e proprietários que gostam de criar detalhes com cores escuras nos costados das embarcações devem estar atentos a esse fenômeno e selecionar resinas com HDT mais altos para que não ocorram deformações nas temperaturas nas quais o laminado será submetido.

Mais informações sobre esse fenômeno podem ser encontradas no livro Métodos Avançados de Construção em Composites.

Esforços em Estruturas Sandwich

Quando uma estrutura é submetida a um carregamento, uma série de forças internas surgem e criam tensões normais e de cisalhamento como resposta. Essas tensões determinam os requisitos de resistência que uma estrutura deve apresentar.

Figura 1. Painel sandwich

A Figura 1 apresenta um painel sandwich com núcleo de espessura c e faces de igual espessura t como os utilizados em estruturas náuticas.  A distribuição das tensões normais em um painel como esse submetido a esforços de flexão pode ser representada das três maneiras apresentadas na Figura 2.

Figura 2. Distribuição da tensão normal

A Figura 2 mostra uma simplificação da distribuição da tensão normal onde é possível ver que as faces suportam a força normal com módulos opostos, indicando que uma delas está sob tração e a outra sob compressão.

A primeira hipótese utilizada para elaborar esse modelo é de que Ec << Ef, o que significa que o módulo de elasticidade Ec do núcleo é muito menor do que o módulo de elasticidade Ef das faces. Quando se trata de tensões normais de tração e compressão, esse fato é realmente verdadeiro para painéis sandwich com núcleos de espuma e faces e laminado sólido. A outra hipótese é de que a espessura t das faces é muito menor que a espessura c do núcleo, se tornando desprezível.

Sendo essas hipóteses verdadeiras, é possível estimar a intensidade da tensão normal máxima de acordo com a expressão:

Onde M é a intensidade do momento fletor que atua na seção transversal e D é a rigidez do painel, que pode ser calculado como indicado nesse post. O módulo de rigidez Ef pode ser estimado por meio da micromecânica.

Figura 3. Distribuição da tensão de cisalhamento

Agora a Figura 3 ilustra uma representação da tensão de cisalhamento que considera as mesmas hipóteses utilizadas no caso anterior, mostrando que o cisalhamento máximo ocorre no material de núcleo. Na realidade, seu valor máximo é alcançado na altura da linha neutra da seção transversal e pode ser calculado pela expressão:

Onde Q é a intensidade da força cortante e b é a largura do painel, como ilustrado na Figura 1. É interessante observar que, enquanto a tensão normal é máxima nas extremidades do painel, a tensão de cisalhamento atinge seu pico na altura da linha neutra da seção transversal.

O projetista deve dimensionar o material de núcleo para suportar as tensões de cisalhamento e as faces para suportar os esforços normais. As expressões apresentadas aqui são aproximações que podem ser utilizadas como requisitos mínimos de projeto quando associados com uma abordagem de projeto probabilística ou determinística.  A qualidade das informações que podem ser obtidas com base nessas expressões depende da fidelidade das hipóteses adotadas com a realidade e da precisão com que foi possível determinar o carregamento que atua na estrutura.

Força Cortante e Momento Fletor

O post da última semana definiu as tensões axiais e de cisalhamento, além de descrever que a combinação delas forma esforços de flexão em uma estrutura. Essas tensões são a resposta de um corpo rígido a uma carga aplicada durante sua operação e elas definem qual a resistência que o material utilizado para construção de uma estrutura deve ter.

Para calcular a intensidade dessas tensões é necessário antes entender os conceitos teóricos de força cortante e momento fletor. Para isso, considere o exemplo da viga apoiada em dois apoios verticais rígidos de forma que suas extremidades possam rotacionar. Imagine também que existe uma força de intensidade P sendo aplicada no meio do comprimento do seu vão livre, como indicado na Figura 1.

Figura 1. Viga sandwich sendo submetida à uma carga pontual

Para que essa viga esteja em equilíbrio, a soma das forças que atuam nos apoios deve ser igual a força P que está sendo aplicada. Então, cada apoio exerce na viga uma força de intensidade P/2 que aponta para cima, como apresentado na Figura 2.

Figura 2. Forças de reação

Como resposta à essas forças aplicadas a viga, existe uma série de forças internas e momentos que estão atuando em seu interior e criando tensões, como indicado na Figura 3 que apresenta uma seção de comprimento a.

Figura 3. Força cortante e momento fletor

Como a viga está em equilíbrio estático, a soma das forças que atuam no corpo deve ser igual a zero. Então atuando na seção A-A da viga existe uma força cortante Q de intensidade igual a P/2 e sentido oposto. Como a força de reação que atua no apoio ilustrado na Figura 3 também tende a rotacionar o corpo, a seção A-A ainda conta com um momento fletor de intensidade igual a P.a/2 que resiste à essa rotação.

A distribuição da força cortante ao longo do comprimento da viga é apresentada no Gráfico 1. Como a força aplicada na estrutura é pontual, a força cortante que atua nas seções é constante e só muda sua orientação após o ponto de aplicação da força.

Gráfico 1. Distribuição da força cortante Q(x)

No caso de uma estrutura sandwich constituída de duas faces de fibra e um material de núcleo de baixa densidade, a intensidade da força cortante está diretamente relacionada com o módulo de cisalhamento que atua no material de núcleo, enquanto as tensões normais dependem da intensidade do momento fletor e atuam nas faces de fibra. 

No caso ilustrado na Figura 1, a intensidade do momento fletor se distribui de acordo com o ilustrado no Gráfico 2, alcançando um valor máximo no meio da viga, ponto onde a força é aplicada.

Gráfico 2. Distribuição do momento fletor M(x)

Esse exemplo permite ilustrar os conceitos de força cortante e momento fletor e quais os fatores que possuem mais influência nesses esforços internos que posteriormente ajudarão a determinar as tensões.  É possível destacar que o tipo de apoio, a largura L do vão livre e a intensidade e tipo de distribuição da força que atua na viga influenciam o comportamento da força cortante e do momento fletor.

Agora transferindo esses conceitos para embarcações que navegam em um regime hidrodinâmico, a força aplicada à estrutura é proveniente da atuação de pressões no fundo do casco. Essas pressões dependem do estado de mar em que se está navegando além da velocidade da embarcação. Em um processo de análise estrutural, o projetista deve encontrar a distribuição de forças equivalente que causa a mesma deflexão que essas pressões causam na realidade ou algo próximo disso. 

A largura L do vão livre está relacionada com o vão livre entre longarinas, transversais e anteparas, que são características do arranjo estrutural da embarcação que podem ser controladas pelo projetista. Elas são ajustadas para que a embarcação possa suportar as pressões que a navegação espera encontrar durante seu uso.

Todas essas características afetarão a intensidade das tensões normais e de cisalhamento que a estrutura deverá suportar. O post da próxima semana indicará equações matemáticas simplificadas para estimar esses esforços em estruturas sandwich.

Tensões Normais e de Cisalhamento

O regime de navegação hidrodinâmico aplica pressões no fundo das embarcações que exercem um conjunto complexo de forças nas estruturas, que podem ser construídas em sandwich. Embora seja papel do projetista selecionar os materiais e as dimensões ideais para suportar esses esforços, é importante que o construtor conheça os principais conceitos sobre esse tema

Por essa razão, os próximos posts do blog vão definir os conceitos de tensões normais e de cisalhamento, como acontecem os carregamentos que as causam e mostrar um método matemático simplificado que fornece uma estimativa da magnitude desses esforços.

Antes disso, é importante definir o conceito de tensão que representa a resposta física que um corpo apresenta quando é submetido a uma força.  Medidas em N/m², as tensões podem se classificar como normais ou de cisalhamento.

Figura 1. Ensaio de Tração

Uma tensão normal surge quando uma carga é aplicada no eixo axial de um corpo, causando esforços de tração quando essa força o “estica” e compressão quando o contrário acontece.  Em uma estrutura sandwich, a maior parcela desses tipos de tensão é suportada pelas faces de laminado sólido.

Figura 2. Ensaio de Compressão

Já os núcleos dos materiais sandwich suportam principalmente as tensões de cisalhamento, que surgem em um corpo quando ele é submetido à um par de forças que agem em lados opostos com a mesma magnitude, mas direções opostas.  

Figura 3. Ensaio de cisalhamento

Dada a natureza da operação de embarcações, suas estruturas normalmente não estão submetidas a pura e simplesmente tração ou compressão ou cisalhamento. A realidade é que as cargas aplicadas pelo regime de navegação hidrodinâmica criam um regime de flexão, ou seja, uma das faces está submetida à tração, enquanto a outra está submetida à compressão e o núcleo sofre com tensões de cisalhamento.

Figura 4. Ensaio de flexão

O post da próxima semana vai ilustrar como as cargas de navegação criam as forças cortantes e momentos fletores que, por sua vez, criam as tensões que atuam nas estruturas sandwich.

O Fenômeno da Hidrólise

Quando se fala sobre resinas poliéster, é muito comum destacar sua resistência química é muito baixa e a torna passível de degradação a partir da hidrólise. Mas o que é hidrólise exatamente e porque as resinas estervinílicas e epoxy não são tão suscetíveis a esse fenômeno.

O post da última semana informou que a formulação das resinas poliéster é feita a partir da reação de um ácido e um álcool que formam ésteres e eliminam água, formando uma pasta que é posteriormente misturada com monômero de estireno que diminui significativamente a viscosidade.

Essa reação possui um equilíbrio dinâmico, o que significa que pode ser revertida. Então, assim como muitos outros elementos na natureza, as moléculas de ésteres são propensas a retornar para o seu estado original e se separar para formar moléculas de álcool e ácido. Essa reação reversa de separação é chamada de hidrólise e um paralelo pode ser traçado com a oxidação dos metais.

Como seu nome sugere, as resinas poliéster são formadas por um conjunto de ésteres que se repetem ao longo de toda a cadeia polimérica e cada uma dessas moléculas é passível de sofrer hidrólise e perder a integridade estrutural quando está em contato com água.

Essa perda de integridade permite que a água permeie o laminado e enfraqueça a ligação da resina com as fibras, causando a delaminação dos dois elementos. É possível também que a adesão entre as faces de laminado e o núcleo de um painel sandwich fique prejudicada ou, pior ainda, o núcleo pode se deteriorar com a água se for de qualquer espécie de madeira ou até de espumas de células abertas. 

As resinas poliéster apresentam a menor resistência química entre as termofixas mais utilizadas porque estão sujeitas ao fenômeno de hidrólise ao longo de toda a sua cadeia. As estervinílicas apresentam as moléculas de éster apenas nas pontas das suas cadeias, o que diminui os pontos de ataques e aumenta sua resistência química. As epoxy são ainda mais resistentes porque sua composição química não conta com moléculas de ésteres.

Apesar de os ésteres ao longo das cadeias das resinas poliéster tornarem sua resistência química um problema quando se trabalha com núcleos de madeira ou espumas de célula aberta, isso não impede seu uso na construção náutica, sobretudo quando se utiliza núcleos de espuma PVC. Em estruturas em contato direto com a água, um recurso muito utilizado é o skin coat laminado com resinas estervinílicas.

Tipos de Resinas Poliéster

É muito comum que posts no blog destaquem que a combinação de resinas poliéster e espumas de PVC são a opção de melhor custo benefício para construção náutica. As células fechadas desse tipo de núcleo contornam o ponto negativo de que as resinas poliéster possuem baixa resistência química e o conjunto entrega excelentes propriedades mecânicas para embarcações que navegam em regime de planeio. Sendo a resina poliéster um elemento tão importante da construção náutica, é necessário explicar como ela é formulada e quais são os principais tipos a disposição do construtor.

As resinas poliéster são formadas a partir de um processo chamado de esterificação, que é a reação química entre um ácido e um álcool que resulta na formação de um éster e uma molécula de água. O resultado dessa reação é uma pasta viscosa que é misturada com um solvente chamado estireno, que torna a resina um líquido e acaba tomando parte na molécula final da matriz polimérica após a cura.

Figura 1. Processo de cura da resina poliéster

 

O monômero de estireno é um tipo de molécula que possui uma estrutura química chamada benzeno, ou anel aromático. Como indicado na Figura 1, a junção do poliéster insaturado com o monômero pela ação de um catalisador forma o poliéster curado. A posição das cadeias de poliéster em relação ao anel aromático dá origem à diversos tipos de resina poliéster, dentro os quais vale destacar as resinas ortoftálicas e isotftálicas.

As ortoftálicas são muito utilizadas para laminação, mas suas propriedades mecânicas e químicas são bastante pobres porque é muito difícil obter polímeros de alto peso molecular já que suas cadeias são bastante curtas. Na prática, isso significa que esse tipo de resina possui um preço baixo, mas vai permitir que a água ataque suas moléculas e permeie o laminado, causando a delaminação ou separação física da resina com a fibra ou com o material de núcleo.

Figura 2. Resina poliéster ortoftálica

 

Uma solução com melhores propriedades são as resinas poliéster isoftálicas. Suas móleculas, apresentadas na Figura 3, são mais longas e permitem uma absorção melhor dos impactos e, consequentemente, melhores propriedades mecânicas. Em adição a isso, elas apresentam maior resistência térmica, o que significa um aumento de Tg e diminuição de fenômenos como o print-thru.

Figura 3. Resina poliéster isoftálca

 

Como a diferença do custo dessas duas opções não é muito discrepante e as propriedades são significativamente melhores, as resinas poliéster isoftálicas são muito utilizados para construção náutica. Em combinação com Neo Pentil Glicol, sua resistência química é inclusive boa o suficiente para formulação de gelcoats.

A definição de resistência química em uma resina termofixa, assim como do fenômeno de hidrólise, será feita no post da próxima semana. Para saber mais sobre os diferentes tipos de resina poliéster, é possível consultar o livro Manual de Construção de Barcos.

Tipos de Tecidos Bidirecionais

Os tecidos bidireicionais conseguem preservar o alinhamento e orientação de seus filamentos de maneira muito mais eficiente do que laminados construídos com manta ou com fios picados, apesar de apresentarem propriedades mecânicas inferiores quando comparados com os tecidos multiaxiais.

Embora os tecidos biaxiais tenham ganhado muita popularidade para a fabricação de barcos, os tecidos bidirecionais de alta gramatura (300-400 g/m²) ainda são muito utilizados para construção de barcos de alta performance como kayaks e barcos de competição a vela. Os tecidos de baixa gramatura (150-200 g/m²) são muito utilizados para trabalhos de acabamento superficial, sendo capazes de criar uma camada com maior teor de resina além de proporcionar uma excelente aparência estética para peças que mantém a trama aparente.

Sua construção conta com filamentos de fibra (de vidro, aramida e carbono) tramados nas direções 0° (urdume) e 90° (trama) e a maneira como são tramados influencia o comportamento do tecido durante a laminação e as propriedades mecânicas finais do laminado. A trama plana é a mais comum, com um cabo passando por cima do outro alternadamente como mostra o esquema da Figura 1. Uma variação que também aparece no esquema é a trama basket, que utiliza um par de fios (2×2) para tecer a trama plana.

Figura 1. (a) Trama Plana (b) Trama basket

Esses dois tipos de tecidos bidirecionais são balanceados e se forem bem fabricados, apresentarão uma porosidade baixa (poucos espaços vazios entre os filamentos), o que pode ser uma vantagem quando se deseja fabricar laminados com um teor de fibras mais alto, entretanto esse tipo de trama apresenta baixa conformabilidade, o que torna sua laminação difícil em moldes com geometrias complexas ou dupla curvatura.  

Quando enfrenta esse tipo de situação, o construtor pode recorrer às tramas Twill e Satin, que se acomodam bem em regiões com curvaturas proporcionando tambem um alto teor de fibras. A configuração mais comum de trama Satin, ou sarja, é quando cada cabo cruza de cinco a oito cabos perpendiculares à trama, criando um aspecto cosmético muito interessante para aplicações onde a trama fica aparente.

Figura 2. (a) Trama Satin (b) Trama Twill

Já a trama Twill é identificada facilmente pelo padrão diagonal que também é bastante utilizado em aplicações com trama aparente. O tipo mais simples é construído em 2×1, o que significa que a cada dois cabos da trama são atravessados por um cabo do urdume.  Quanto mais cabos forem utilizados na direção do urdume, mais diagonal será a inclinação.  

Figura 3. Trama Twill

Por fim, apesar dos tecidos bidirecionais não possuírem a mesma eficiência estrutural que tecidos multiaxiais, continuam sendo boas opções para diversas aplicações. A maneira que seus filamentos estão arranjados configuram sua trama, que tem influência direta em suas características de estabilidade, porosidade, teor de resina e conformabilidade. É possível encontrar mais informações sobre os tecidos bidirecionais no livro Métodos Avançados de Construção em Composites.

Agentes para Desmolde

Frequentemente os agentes desmoldantes são citados em posts do blog como uma das primeiras etapas da construção das embarcações, então é importante destacar quais são as opções a disposição do construtor e a importância desse elemento que possui profunda influência na qualidade final da peça, na preservação do molde e no tempo de produção.

O agente desmoldante é o primeiro produto a ser aplicado no molde, antes mesmo do gelcoat. Sua função é proteger a superfície do molde e garantir que a estrutura seja facilmente removida com a menor tensão de desmolde possível.

As principais características de desempenho de um agente desmoldante são o tempo de aplicação e o treinamento necessário que os operadores precisam para preparar o molde antes de cada laminação, a quantidade de ciclos de desmoldagem antes de ser necessário reaplicar o produto, a contaminação da peça final e a compatibilidade com todos os materiais do molde e do laminado.

As opções disponíveis no mercado se dividem primeiramente em agentes internos e externos. Agentes internos funcionam com a dissolução de produtos como ésteres de ácidos graxos, estearatos metálicos e ceras nas resinas termofixas. A teoria é que esses produtos migram para a superfície do molde durante a cura da resina, criando um filme de separação entre a peça laminada e o molde, garantindo a desmoldagem e economizando muito tempo ao remover a etapa de aplicação do release agent.

Porém, na prática ainda não existem agentes desmoldantes internos que tenham eficiência o suficiente para que os agentes externos sejam eliminados e, por essa razão, ainda não são muito populares especialmente na indústria náutica, que trabalha principalmente com três tipos de desmoldantes externos: ceras, PVA e semi-permanentes.  

Ceras de carnaúba são opção de melhor custo-benefício a disposição dos construtores e possuem fácil aplicação, apesar de consumir algum tempo. Depois da limpeza do molde, a cera deve ser aplicada com movimentos circulares e depois polida. Para moldes novos, essa etapa deve se repetir entre 5 e 10 vezes e depois a cada desmoldagem. Inevitavelmente, resíduos de cera ficarão aderidos ao laminado e uma etapa de limpeza é necessária antes de continuar a fabricação da embarcação.

O desmoldante PVA é um líquido a base de álcool polivinílico de baixa viscosidade. Depois de sua fácil aplicação, álcool e água evaporam deixando apenas um filme uniforme resistente a solventes e ao estireno que adere completamente à peça após o desmolde. A dissolução desse filme deve acontecer por meio da lavagem da peça com água antes de continuar os demais processos de construção.

Esses dois sistemas desmoldante são chamados de camadas de sacrifício, já que criam uma barreira física entre o molde e o laminado. Isso faz com que seja necessário um processo de limpeza das peças e/ou do molde, além da reaplicação do produto a cada processo de laminação, criando duas etapas que aumentam o tempo de produção. Uma maneira de reduzir esses pontos negativos é a utilizados de sistemas semi-permanentes, que podem suportar múltiplas desmoldagens.

É importante deixar claro que o desmoldante líquido é apenas uma das partes que compõe um sistema semi-permanente, que começa com a limpeza do molde e segue com a aplicação de uma solução primer e de um selante para então ser possível aplicar o desmoldante. Seu princípio de funcionamento é a criação de um filme inerte e durável quimicamente ligado à superfície do molde, garantindo múltiplas desmoldagens e evitando a contaminação do laminado.

Em geral, os construtores náuticos trabalham com agentes desmoldantes externos e as ceras de carnaúba são a opção de melhor custo-benefício em curto prazo, especialmente em projetos one-off. Fabricantes de embarcações seriadas podem recorrer às soluções semi-permanentes que, apesar de apresentarem um custo mais elevado e necessitarem de maior treinamento dos colaboradores, oferecem uma grande economia de tempo de aplicação e processamento da peça após o desmolde, maximizando a produtividade.

Formulação do Gelcoat

O gelcoat é um elemento importante não só na construção de embarcações, mas também na fabricação de peças que utilizam materiais compostos e precisa de um primoroso acabamento e alta resistência ao meio ambiente. Além de ter conhecimento sobre as sensíveis etapas de aplicação é importante que o construtor saiba quais os elementos que compõe a formulação de um gelcoat para que saiba o que procurar quando precisar adquirir o produto.

Gelcoats são formulados a partir de resinas termofixas combinadas com uma série de cargas minerais. Naturalmente, sua cura é promovida pelo endurecedor ou catalisador da resina utilizada. Apesar de diversas opções formuladas a partir de resinas epoxy estarem disponíveis, a construção de barcos utiliza quase exclusivamente gelcoats à base de resinas poliéster, que aderem bem aos laminados típicos utilizados nesse tipo de estrutura, além de apresentarem o melhor custo benefício.

Porém, nem todas as resinas poliéster são adequadas para essa aplicação. Como o gelcoat é a camada mais externa de um laminado, ele também é o elemento estrutural que mais tem contato com as condições extremas do meio ambiente e precisa ter alta resistência química para evitar que o fenômeno de osmose permita a entrada de água no laminado estrutural, que com o tempo pode afetar a estrutura do casco. Para esta finalidade as formulações de gelcoat na industria náutica utilizam quase que em sua totalidade as resinas isoftálicas.

É necessário observar que as resinas isoftálicas ainda apresentam o problema de baixa capacidade de alongamento o que significa que, se os paineis da embarcação tiverem deformacoes excessivas, o gelcoat podera apresentar rachaduras em sua superficie ao longo do tempo.

Uma solução é preparar uma mistura (blend) com resinas flexíveis, mas a consequência desta ação é justamente aumentar a absorção de água e facilitar o processo de formação de bolhas. É necessário encontrar um equilíbrio e a melhor solução é uma mistura de resina isoftálica com NPG (neo-pentil-glicol).

Posts anteriores indicaram que a aplicação do gelcoat pode ser realizada pela pintura a rolo ou por spray, destacando que a última opção é melhor e mais popular e utilizada por construtores profissionais. Os requisitos de viscosidade desses dois métodos variam drasticamente, portanto a formulação do produto também vai variar e o construtor deve buscar opções adequadas para o seu mecanismo de aplicação.

Outra questão importante na formulação do gelcoat é o balanço de cargas utilizado, que controla a viscosidade, tixotropia, as propriedades mecânicas, a contração, entre outras características.

A tixotropia é ajustada utilizando cerca de 2% ou 3% de cargas minerais formuladas a base de sílica. A contração de resinas poliéster pode alcançar até 8% e, se o gelcoat não for bem formulado, pode causar print-thru não apenas na desmoldagem da peça, como ao longo do seu ciclo de vida. Especialmente quando combinados com corantes de cores escuras que absorvem mais calor. Nestes casos é comum que as impressões das fibras apareçam no casco após alguns meses ou anos.

Para proteger o acabamento da ação dos raios ultravioletas, inclusive, é possível incluir filtros que evitam o amarelamento da superficie, conservando o aspecto original da peça.

Por mais que seja possível elaborar um gelcoat em um estaleiro da mesma forma que se formula uma massa de acabamento, a qualidade e uniformidade das opções disponíveis do mercado são incomparáveis. O construtor pode encontrar uma solução para cada uma das suas necessidades e deve conhecer os elementos do produto apenas para fazer a melhor escolha possível.

Abordagem Probabilística de Falha

O principal requisito de qualquer projeto construído a partir de qualquer tipo de material é a capacidade de suportar determinada carga sem falhar e garantindo a integridade e segurança de seus usuários.

O processo de projetar estruturas e determinar as cargas atuantes sobre elas carrega simplificações e incertezas por natureza. Existem algumas maneiras de garantir a segurança da estrutura mesmo com essas incertezas e a mais tradicional delas é um modelo chamado de determinístico, que faz uso de fatores de segurança.

O fator de segurança, utilizado na Força Aérea dos Estados Unidos desde de a década de 1930, é um número que multiplica as cargas de projeto ou tensões máximas que um material deve suportar, dessa forma fazendo com que a estrutura seja superdimensionada e suporte condições não previstas em projeto.

Essa abordagem funciona muito bem para materiais isotrópicos que possuem comportamento bem determinado e modos de falha previsíveis, como é o caso dos metais. O comportamento de materiais compostos é mais disperso e os modos de falha são muito mais complexos, o que pode fazer com que os fatores de segurança diminuam a eficiência de uma estrutura sem de fato garantir a sua segurança.

O Gráfico 1 compara a resistência à tração de um material metálico e de um composite. Diversas amostras foram testadas para que fosse possível delinear o comportamento desses materiais nesse formato e fica claro que a resistência à tração de um material metálico varia muito menos do que a de um composite

Gráfico 1. Função densidade de probabilidade da resistência à tração de um composite e de um material metálico

Com esse comportamento disperso, utilizar fatores de segurança pode não garantir a segurança da estrutura, então uma abordagem probabilística de projeto é muito mais eficiente.

A teoria de probabilidade foi concebida em meados do século XVII, quando o físico, matemático e inventor Blaise Pascal foi desafiado a resolver uma charada: como seria possível igualar as chances de vitória de um jogo de sorte inacabado se um dos jogadores já estava liderando a disputa?

Em colaboração com seu amigo advogado e matemático Pierre de Fermat, Pascal descobriu a teoria da probabilidade e pela primeira vez na história uma pessoa poderia tomar decisões futuras com base em números de acontecimentos passados. Pelos próximos cem anos, matemáticos como Gauss e Bernoulli refinaram essa teoria e a tornaram um poderoso instrumento que hoje é base do projeto probabilístico de materiais compostos.

A ideia da abordagem probabilística é mapear todos os acontecimentos de um projeto em forma de uma curva de probabilidade e determinar uma probabilidade de falha aceitável. O Gráfico 2 exemplifica esse conceito, mostrando a resistência à tração de um laminado definida pela curva à direita e as cargas do projeto definida pela curva à esquerda. A probabilidade de falha é representada pela interseção entre as duas curvas, destacada em azul.

Gráfico 2. Probabilidade de falha

O processo de determinação dessas curvas características utiliza uma combinação de teoria e muitos ensaios mecânicos. A determinação de uma probabilidade de falha aceitável depende do tipo de projeto e, muitas vezes, é especificada em normas de sociedades classificadoras.

Esse tipo de estratégia é capaz de garantir a segurança de uma estrutura diminuindo sua probabilidade de falha a níveis aceitáveis para determinada aplicação. Isso é realizado levando em consideração os mecanismos de falha e funcionamento mecânico mais complexos dos materiais compostos, evitando que eles percam sua eficiência estrutural ao utilizar fatores de incerteza que foram concebidos para materiais isotrópicos.